sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Queria


Queria ter escrito para você. Ambicionei desembrulhar as palavras e deixá-las voar por esta imensidão azul é que nos separa. Queria ter expressado palavras viçosas que desembocassem em tertúlias alegres e prolíferas. Poderia ter deixado um carinho, pelo menos uma centelha de carinho, um regalo ou um abraço. Mas calei-me.

Escrevo agora para falar dessa tristeza dentro de mim. Falo para sair desse silêncio que tem me deixado atordoada. Queria ter escrito, mas não consegui. Em minha cabeça havia apenas um cansaço muito grande que se derramava por toda a tela do meu computador. Havia esta estafa, esta falta de criatividade, esta moleza. Então, penso que é importante dizer para mim mesma que a tristeza é normal. E se não conhecesse este sentimento? A tristeza nos torna mais humanos, mais suaves. A alegria é instantanea e borda loucuras em minha vida. Ela é veloz e livre, traz em sua essência um manjar delicioso de satisfação, um cálice de vida e aventura. Em contrapartida, a tristeza me aprisiona e me imobiliza. Ela é uma presença sem delírios e sem celebrações. A tristeza rouba meus sonhos. No entanto, para viver intensamente deve-se estar triste algumas vezes. É... eu penso assim. Quando estou triste, uma parte de mim é outra.

Queria ter criado palavras para você... poderia fazê-las nascer. Mas não as encontrei. Estão guardadas em algum lugar dentro de meu eu vazio. Para ser poeta é preciso fecundar a escrita. É necessário carregá-la como um fruto maduro no seio morno da gestação.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Haiti

No Haiti...
A menina dançava,
o menino pulava.
Algumas vezes... eram crianças.
Outras vezes, escravos.

No Haiti...
A menina pobre não dança mais.
Não brinca de boneca, nem pula sapata.
Descalça e sozinha, está esmagada de dor,
de tristeza.

No Haiti...
O menino não pula, não solta pipa, já não toca tambor.
Nunca mais. Um dia teve sonhos...

No Haiti todos são órfãos.
Órfãos de tudo.
Perda. Fome. Destruição.
Abandono. Dor extrema.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Brasília

crédito da imagem

Conhecemos Brasília quando estávamos a caminho de Lisboa - Copenhague. Como dispúnhamos de cinco horas no aeroporto, aproveitamos a oportunidade para conhecer um pouquinho a capital.

Pegamos um taxi e iniciamos nossa odisséia. Fiquei impressionada com a magnitude e com a estética de Brasília. É quase uma utopia edificada que se traduz nas curvas livres e sensuais da obra arquitetônica de Oscar Niemeyer. Há muito concreto em toda parte, é verdade, mas os arbustos e o verde dos gramados harmonizam o panorama. Fazia um calor infernal, mas a cidade nos acolhia e se apresentava de forma tão esplêndida e tão rara. Fiquei embriagada com as jaqueiras nas avenidas arborizadas, estavam cheias de frutos. Em Brasília não há caminhos curtos. Eles convidam para passagem, para um vôo. Na Praça dos Três Poderes há uma bandeira do Brasil estiada, é muito grande realmente. Matheus, ao vê-la, perguntou: Mamãe, a gente não se torna patriota ao ver esta bandeira? Sorrindo, falei que sim. Sei que era o seu coração brasileiro falando naquele momento.

Brasília, Patrimônio Cultural da Humanidade. Conheci um pouco de sua geografia, no entanto, quase nada sei de sua gente. É preciso voar mais. Mas também é necessário aterrissar e descobrir de forma minuciosa o seu encanto. E então – com certeza – haverei de me afeiçoar. Guardo em meu alforje a cor do céu e o desfraldar sonoro da bandeira do Brasil... na Praça dos Três Poderes.

domingo, 10 de janeiro de 2010

Sentir e pensar




"Estrangeiro (e estranho) é quem afirma seu próprio ser no mundo que o cerca. Assim, dá sentido ao mundo, e de certa maneira o domina. Mas o domina tragicamente: não se integra. O cedro é estrangeiro no meu parque. Eu sou estrangeiro na França. O homem é estrangeiro no mundo".
Vilém Flusser

Voltei ontem de viagem do Brasil. Durante quase três semanas enchi os olhos com o verde de minha terra e me alimentei com o carinho inefável que me foi ofertado por todos. Já agora tenho saudades. Ao voltar, há um processo pelo qual preciso passar. De um lado, estou feliz por ter enfrentado a longa viagem e encontrar-me novamente em minha casa, sentindo o seu aconchego e a sua doçura. Por outro, é um vazio que ainda me preenche e que me toma por inteiro. É como se ainda não houvesse realmente chegado. Uma parte de mim está no Brasil, a outra encontra-se já na Dinamarca. Não é tristeza o que sinto, nem tampouco mágoa, pois de uma ou de outra forma, Copenhague é uma espécie de home pra mim. Talvez seja uma dor ainda desconhecida. Na verdade, penso que esta mistura de sentimentos seja até um privilégio. A palavra privilégio, neste contexto, soa-me um tanto forte, mas traz a sua verdade. Pois... tenho o privilégio de conhecer duas culturas diferentes. Sou brasileira na essência, mas também já me tornei um tanto européia. Quando menos espero, surpreendo-me com características acentuadas que antes não possuía. Percebo, então, o quanto estou mudada. Muitos conceitos e alguns usos brasileiros não me agradam mais tanto como antes, assim como, muitas vezes, é difícil lidar com os costumes de um outro país. A mudança existe, com certeza. No entanto, procuro não compartilhá-la. Prefiro mantê-la em segredo, uma vez que, minha visita na pátria amada é algo quase sagrado. A transformação existe e acontece de forma natural. Seria estranho se nunca mudássemos nosso modo de pensar e se não estivéssimos abertos para novos conceitos e ideias. Viver é uma contante aprendizagem e a alteração acontece se assim o desejarmos. O mais importante neste processo de mudança, é a constante verificação (quase policial) com o modo com que deixo-me envolver. A análise é fundamental. Naturalmente há fatos com os quais simplesmente não concordamos e é importante que conservemos nossos valores primordiais. Porém, não é disso que falo. Conceitos, usos e costumes são variados e se apresentam, muitas vezes, de forma estranha aos nossos olhos. Então, é preciso ter muito cuidado para não assimilar a diferenciação das culturas - e principalmente a do país em que vivo - como preconceitos. Seria uma lástima. Penso que, com o passar do tempo, aprendi a lidar com diferenças, procurando sempre enxergá-las por vários ângulos. A crítica é necessária e as interpretações são ilimitadas. No entanto, moldo a dureza de meus conceitos e procuro fugir da uniformidade de meu pensamento.

Beijo para todos!