Sonho com uma África em paz consigo mesma.
Nelson Mandela
Jabu e eu soltamos pipas. Empinar pipas é a melhor coisa para Jabu e para mim, desde que mamãe foi embora. Mamãe morreu de uma doença incurável, faz cinco meses. Jabu é meu irmão, tem oito anos e eu cuido dele. Jabu faz suas próprias pipas, faz com papel de pão e com gravetos. E elas são bonitas. Quando empinamos as pipas, elas voam bem alto, lá no céu. E então é muito divertido. Jabu grita e dá risadas. E eu fico feliz também. Ah, eu sou a Samia.
Hoje tia Farah fez birotes em meu cabelo, são seis birotes. E ela enfeitou eles com laços coloridos, assim como mamãe fazia. Quando ficamos sozinhos, tia Farah nos levou para sua casa. Moramos agora em Joanesburgo: Jabu, tia Farah e eu. Aqui na cidade não tem baobás e nem animais. Jabu imita os animais. Acho que sente falta deles, dos pássaros. Eu também tenho saudades da aldeia e de nossa casa de barro, redonda. Tinha um telhado de sapê... Lá no pátio dançávamos. Quando lembro, às vezes, cai uma lágrima.
Todos os dias vou para a feira. Vou com Farah, ela me leva. Na feira vendemos óleo de palma, abóboras, milho e outras verduras. O que eu não gosto é saber que Jabu fica sozinho em casa. Tia Farah disse que ele não pode ir na escola, é longe demais. Jabu toca tambor e quer tocar numa banda, um dia. Um dia, quando for grande. Então Jabu vai ser famoso. Eu sei disso. Sim, meu irmão vai ser um grande tamborileiro. Mas agora ainda não. Agora ele precisa cuidar de nossa casa. Tia Farah e eu vamos para a feira. Todos os dias. E Jabu fica sozinho.
Eu, Samia, tenho um sonho. Meu sonho é diferente, não sei tocar tambor. Quero aprender a ler de verdade. Farah disse que vai me ensinar, mas ela tem pouco tempo. Eu sempre trago jornais velhos da feira, estes que as pessoas jogam fora. Então eu recorto palavras dos jornais. Muitas palavras eu recorto, e formo quadros. Não, não é pintura. São letras e palavras de todos os tamanhos que eu colo no papel. Aí fica bem bonito, como um quadro. Parece histórias. As palavras que recorto tem voz, elas cantam para mim. Sim, eu escuto quando cantam. Um dia, vou ler de verdade. Sim!
Hoje, quando tia Farah e eu voltamos da feira, Jabu contou. Disse que veio uma moça aqui em casa, falou que ela era professora. Jabu estava tocando tambor, e ela ouviu. Gostou do tambor. Falou com Jabu e disse que vem amanhã aqui novamente, à noitinha, quando tia Farah e eu estamos em casa. Ela quer levar Jabu para uma escola, uma escola de tocar instrumento.
Agora vamos empinar pipas, Jabu e eu. E elas vão voar bem alto, lá no céu. E então contaremos para mamãe. Os sonhos... vamos contar para ela.
Imagem by Livala