domingo, 30 de maio de 2010

A falta que me faz...

Há uma ausência estranha neste abandono. É mais que abandono, é um grito de indiferença. Eles deixam lacunas. Em cada pseudo-compreensão procuro por respostas. O carinho esperado é utopia e ingenuidade. Primeiro acontece a procura e a conquista. Depois, sem aviso prévio, a apatia invade o mundo. Não sou pródiga, procurei ficar. Eu os perdi, mas guardo lembranças. A dedicação, no entanto, é um caminho de pedras e silêncio. Há uma muralha que impede o encontro. A espera se amplia num limite impreciso entre dias, semanas e meses. E então esta falta de prática para lidar com isto... E então esta imensa convulsão... E este tijolo no peito que não se desfaz. Eles se calaram, mas ainda posso ouvir o eco de suas vozes, lá longe. Este espaço nem sempre é uma dança. Muitas vezes, é apenas uma tela quadrada que faz do instante um ritmo silente. Mas há presenças e fidelidade. São esmeraldas e rubis que iluminam as bordas desse Ensaios. Regidos pelo carinho e pelo apreço, pousam nesta folha e pintam flores e alegrias. Dobro agora esta folha. Junto as pontas com precisão para formar um envelope perfeito. Guardo-o com cuidado, como quem guarda uma uma concha. Dentro da concha há uma pérola.


Imagem by ~Schnette

quarta-feira, 26 de maio de 2010

Minhas árvores


Minha paixão pelas árvores era translúcida. Para elas confidenciava minhas aflições e minhas travessuras. Conhecia cada ramo, suas curvas, as folhas, seus nós, flores e frutos. Observava a vastidão de suas estruturas, assim como seguia as linhas de minhas mãos. Numa fração de segundos, subia em seus troncos, feito um filhote de primata. Formigava os galhos com resguardo, procurando não machucá-las. Quanto mais penosa a subida, tanto mais interessante a conquista de sua copa. Levava longas conversas com estes seres serenos e pacíficos. A grande vantagem que as árvores me ofereciam era a certeza de que jamais contariam meus segredos para ninguém. Havia cumplicidade e honestidade entre nós. Todos os anos, quando visito minha família, vou ao pomar da casa de meus pais. Reencontro minhas árvores, velhas amigas, e invejo suas vidas sedentárias, em contrapartida ao forasteiro em que me transformei. Mergulhadas em seu silêncio, me acolhem e em reconhecem. Torno a abraçar os seus troncos e lhes digo que voltei. Falo com elas, como quem conversa com um bom amigo. Sinto forte e único o cheiro da terra onde nasci. É parte de mim. Telúrico e atávico.

terça-feira, 18 de maio de 2010

Chuva


Em cima da folha há um suave fulgor,
lantejoulas molhadas nas pétalas da flor.
Ando na chuva acompanhada, rendida.
Paisagem regada, cabelo escorrido.

Chuva... toca a pele, laivo marcado.
Presença sentida.

sábado, 15 de maio de 2010

... a pelejar

Perdoem este lamento...

Estou aqui pensando... sobre o que eu poderia escrever. Hoje falta-me o assunto, o entusiasmo e a valentia. Além de minha inexorável falta de criatividade, tenho a impressão que meus textos são sempre iguais e insípidos. Autocrítica é o meu tropeço. Por ela esbarro depois de cada palavra escrita. Ela me olha de soslaio e lança uma chibatada por sobre meus ombros. Derruba-me com seu brilho fatídico e insolente, e me paralisa. Então, imediatamente, passo a acreditar que o texto é ruim e castigado. Castigado pelo vazio de mim mesma e pela pobreza de meu talento. Assim, pelejo com as faúlhas que passam a invadir meu pensamento. Para me proteger, tomo a espada de minha força e inicio uma luta dilacerante a favor de minha intempestiva intensão de ser escritora. O desânimo fere-me como a lâmina de uma navalha. Neste contexto – perdida por entre a aspereza de minha constante autoanálise - decido-me por um tema e reúno um punhado de ideias. Escrevo uma palavra que se perde sem sentido por entre linhas e frases mal formuladas, o que pontua para o ruir o meu palpável sonho de escrever e de criar. Esta palavra abre um sulco na folha. Ela derrama um líquido quente de agonia. Gruda no lápis e na ponta dos dedos. Ela molha estranhamente esta página. Não há nada de novo. Minha arte é envelhecida e opaca. Minhas palavras – estilhaços de palavras - são fracas e minhas retinas são minúsculas e repetitivas. Somente o emotivo me rege... e faz produzir.


Imagem by ~sajlent

domingo, 9 de maio de 2010

Por que escrevo?



Escrever é uma contínua busca por um complemento. É a tradução minuciosa da vida através de seus enigmas e deslumbramentos. Ao escrever, confidencio o que vai no âmago de mim mesma. Externizo o que me embriaga, o que oprime e o que questiono. O excessivo dentro de mim faz criar: ora é uma dor, outras vezes, felicidade. Traço um sentimento, rabisco uma idéia, reestruturo momentos vividos. Pinço com lucidez o passado, ouso acarinhar o futuro. Com a escrita compilo imagens e, nas silentes pausas da nostalgia, devasso solidões. Escrevo divagando. Em cada palavra deixo um pouco do que sou, despojo-me em cada linha e em cada parágrafo. Ao criar um texto que me agrada, sinto uma felicidade imensa e me vejo completa, entusiasmada, como se dele dependesse minha sina. Então já não estou sozinha, as palavras e as idéias me possuem na magia de seus poderes. Vou lapidando, esculpindo e... festejando. Um texto em produção é como cuidar de uma florzinha que viceja da terra fértil, ainda delicada: é preciso regá-la e cuidá-la, para que prolifere. Escrever em meu idioma é uma relação de afetividade. Laços!

Imagem Nekospicer

domingo, 2 de maio de 2010

O quadro

Eu tinha apenas nove anos de idade e possuía um quadro. Meu quadro estava pendurado na pinacoteca da casa de vovó. Não cansava de admirá-lo, e vovó não sabia que eu, há muito, decidira empossá-lo. Era meu, mas não ousava tirá-lo da parede. Bebia a luz de suas cores e embriagava-me com sua rara beleza. Ele me seduzia. Nele encontrava algo vivo, um estigma profundo me arrebatava. E não era mudo. Ao contrário, falava-me. Eu caminhava silenciosa por entre sua paisagem. Atravessei um campo de papoulas vermelhas e me encontrei diante de um castelo medieval. Mais adiante, segui por entre pinheiros e carvalhos e escalei a colina. De repente me assustei... Onde estou? Trêmula, dei um passo para trás. Então, lentamente, puxei uma cadeira e subi nela. Estendi os braços para alcançar no quadro. Pude sentir o cheiro da madeira envelhecida de sua moldura dourada. Acariciei a pintura com meus dedos de menina. Senti a tinta saliente das cores ao toque suave de minhas mãos. Apalpei os laivos da tela como quem dedilha uma arpa, despertando de cena em cena, a dança de meus sonhos. Ofegante, desci da cadeira e chamei meus avós. Ergui meu braço e apontei o dedo para a imagem na parede, e lhes disse: É para lá que vou... quando crescer! E eu fui.

Imagem by Fibulamim