O pensamento dava-lhe alfinetadas e a cabeça lhe doía de forma muito rara. Havia pintado muito naquele dia, e em seus dedos ainda havia restos de tinta, ela secara por entre as dobras da pele e nas unhas. Agora os pincéis descansavam nos recipientes. A tela estava manchada de cores fortes – pintara um quadro abstrato – vago, para quem o via. Em suas cores e em seus traços, porém, pairavam sentimentos. Depositara na pintura toda a angústia que a povoara nos últimos dias. Imagens e aturdimentos estavam ali desenhadas e, de certa forma, palpáveis. A noite escura era como uma parede sólida que a retinha naquele quarto. A sala morna aguardava-a com uma sinfonia de silêncios e a solidão gritava-lhe aos ouvidos. Na lareira repicava uma acha de lenha e o vinho ainda tingia o copo de cristal. Assim também estava o lago, silente. O lago que derramava suas águas pelas formas sinuosas do leito formado através dos anos. De sua janela, ela podia ver um prisma de luz que se espelhava em suas águas paradas e resplandescentes. Era a luz leitosa da lua. Nada se movia, nenhuma onda. Ela olhou a escuridão que cobria as árvores e as flores e sentiu que era porosa e úmida. Abriu a porta e caminhou por entre o arvoredo. No silêncio pleno, os passos pareciam trovoadas. Ela sabia que precisava ir... Uma estranha dor governava o instante.
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