domingo, 17 de abril de 2011

Flores



Aprendi com a primavera a me deixar cortar. E a voltar sempre inteira.

Cecília Meireles

Luminosidade. Claridade ilustrada... É primavera no hemisfério norte. E eu sinto, aqui e ali, um sopro de boas lembranças. Fachos cintilantes abraçam os minúsculos brotos das castanheiras, acarinhando-os. O sol, agora mais forte, ilumina a terra, e tudo está a renascer. É a dança da natureza que, em ritmo festeiro, transforma-se em aurora. O ar silencioso do inverno é cortado pela alvorada dos pássaros, desejosos e eufóricos. Uma borboleta desliza por sobre os rosados tons da magnólias, roçando seu perfume. A planície está prenha e abundante, a semente rompe. Cerejeiras em flor atraem com sua energia as abelhas em enxames, prometendo uma seara rica e boa. Alegrias renascem e estão a retumbar por toda cidade. Num festival de cores, os cafés espalham suas mesas pelo calçadão e os namorados fazem piquenique no parque. Nestes longos anoiteceres, fico de conversas com minhas amigas na rua, no jardim ou em algum bar. A vida se arrasta lenta e venturosa, como se o calor do sol fosse um presente para fagulhar o pensamento com coisas positivas. Um gosto de mel e um perfume de pólen se espalham pelas ruas medievais. Vou sair por aí para inspirar o ar da primavera. Tudo parece estar feliz, tão feliz. A saltitar.

Imagem: Ilaine

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Do amor


Se o amor é fantasia, eu me encontro ultimamente em pleno carnaval.
Vinícius de Moraes

O amor é essa coisa grande de que tanto falamos. Quatro letras formam um sentido babilônico, cuja interpretação procuramos decifrar e viver. Diz o livro das palavras que é afeto, que é amizade, bem-querer, ardor, é paixão: namoro, relacionamento, romance. O amor que tenho se manifesta em moldes diversos, os modelos são infinitos e a quantidade quase sempre é imensurável. Me apaixono inúmeras vezes por tantas coisas ou por alguém. A inclinação nascida me faz levitar e então tenho borboletas dentro da barriga... e elas querem voar. O significado dessa pequena palavra já não cabe numa gavetinha. Não, para o amor é preciso uma cômoda inteira com múltiplas caixas corrediças e ainda assim nunca vai sobrar espaço para encerrar este sentimento: signo de muitas facetas… e de tantas loucuras. Com certeza eu e você estamos em consenso de que a vida de nada valeria se não tivéssemos amor. Quem de nós nunca foi uma Julieta ou um Romeu? Quem não viveu um amor juvenil ilimitado, capaz de transpor o mais complexo dos obstáculos? Quem ainda não bebeu desse cálice? Ainda que menos trágico como no clássico de Shakespeare, já sentimos o mundo ruir ao redor de nós. Dá o que falar, o amor. Amor que faz as almas gêmeas. Afeição dobrada e traçada, um dar e receber - de mãos dadas.



Imagem by~TheRainlsMyMusic

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Para Bruno



Eu, agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?
Mário Quintana

Escrevo-te ao sabor de um chimarrão amigo que, tomado a milhas do sul, tem um significado muito especial. A originalidade dessa bebida me transfere para um espaço que um dia foi meu: o Rio Grande do Sul. Esse verde tem um teor de pátria que se mistura ao doce aroma das saudades que por aqui sinto. Vou tomando meu mate sozinha, quase em segredo, mas muito feliz , pois carrego em meu alforje a cultura de minha terra, a que tanto amo. Estou usando a tua cuia, aquela que usaste tantas vezes para fazer um mate bem do teu jeito – forte e quente. Lembro que sorvias diariamente esse chá milagroso e com ele te fortificavas. Eras um gaúcho nato, apaixonado pelas tradições, e te perdias em devaneios com a poesia de tantas letras. Recordo de quando tocavas gaita, eras um amante sensível da música e da dança. Nunca esqueci de nossos passeios, quando segurava tua mão, calejada e forte. Pai, eu trouxe tua cuia na bagagem quando fui viver na Alemanha e agora eu a uso aqui na terra de Andersen. É a recordação mais concreta que guardo, além de tua foto que está na estante de meus livros. Sempre falo de ti para meus filhos e eles lamentam não ter te conhecido - nos deixaste cedo demais... Como vês, Bruno, o tempo flui, desliza como uma brisa que, aliás, não podemos segurar por entre nossos dedos. Agora já vivo tanto tempo na Europa. Tu precisavas ver a lindeza que é este pequeno reinado. Um dia vou descrever os lugares que já tão bem conheço e por onde tantas vezes passei. Tenho certeza que ficarias deslumbrado e feliz se, por ventura, pudesses cruzar estes caminhos. Bem sabes, pai, eu sempre amei o mar, sua beleza indescritível, seus mistérios. E aqui tenho tanto mar...


Imagem by ~valyeszter