Ah, as cartas que me escrevias! Lembrei daquele bilhete que encontrei na ponta de minha sapatilha branca onde, em papel amassado, dizias: Te amo, bailarina! Sempre me chamavas de bailarina. Dançávamos muito, é verdade. A música e a dança nos aproximou. Quando tocavas Ballade pour Adeline no piano eu me derretia de amores por você. Nossos passos eram um só. E eu sempre dançava na ponta dos pés. Adorava, e a sapatilha dava-me o conforto necessário para precisar a cadência do ritmo que nos embalava. Amava-a e, assim como Audrey, nunca deixei de usá-la. Ainda hoje gosto e tenho uma coleção de sapatos bailarina, quase todas alvas. Ai... Continuo uma romântica incurável! Dizias que eu era parecida com uma libélula pela leveza de meu corpo e que com as asa transparentes, eu seria capaz, assim como ela, dançar em cima das águas de um algo. Muitas vezes, eu usava vestidos rodados. Lembras daquele azul celeste que era feito de saias duplas, e a de baixo, feito uma anágua, era mais longa do que a de cima e deixava aparecer um bordado branco, lembras? Era um vestido feito para dançar. Recordas que um dia, num baile, o dono veio falar conosco? Perguntou se não poderíamos vir sempre para iniciar o baile e, dessa maneira, encorajar os outros visitantes para dançar. Rimos muito.
Tudo era poesia entre nós. Amava teus olhos, teu cabelo comprido e tuas mãos de pianista. Íamos para a sessão de arte do cinema, sempre nas sextas feiras, e eu adorava teu jeito capixaba de falar: Menina! Me ensinaste que toda canção realmente linda é também um pouco triste. E a bailarina de outrora ainda hoje... adora dançar.
Imagem deviantart