sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Mudanças


Quero esquecer verdades antigas. Vou procurar novos conceitos para me fortalecer. O mundo se modifica de forma rápida e eu tento acompanhá-lo. Levanto os braços e grito para esperar por mim, mas ele não ouve meu grito e segue numa desenfreada travessia em busca de novas descobertas. Preciso reaprender muitas coisas. Meus passos requerem rapidez e a caminhada já não suporta a minha usual lentidão. Os valores se modificam e eu preciso me reencontrar neste labirinto de conceitos voláteis. Estou com um milhão de anos, mas não de luz. Quero esquecer as verdades antigas. Minha pele está muito fina e seca para suportar esta ardilosa busca. Vou usar peles mais grossas que me protegerão do frio que se espalha pelo continente. Urge tornar-me um casulo e dele renascer borboleta já não tão leve, nem tão frágil, nem tão confiante... Haverá um novo começo e este prelúdio carece de um sentido modificado no âmago das coisas. A sola de meu sapato demanda grossura, mas o coração não aceitará esta extravagante perda de valores que há muito reina em meu tempo. Ouso refazer. O corte será doloroso. Mas nunca deixarei de bordar o pensamento com coisas lindas. Nunca deixarei de saborear a gratidão e a humildade.

Imagem: Ilaine

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Embriaguez



Quando escrevo para você.... Sou-me toda e de tal maneira, quando escrevo, que não há mais espaço entre mim e as palavras. Dou-me de forma inteira em cada frase. Falo com você sempre quando algo se modifica. A palavra é o símbolo de um acontecimento. Então eu uso a caligrafia para expressar uma sensação que se apoderou em meu mundo. Toda expressão é um pedaço de mim, uma linha do novelo que se solta e que forma um laço no conteúdo de meu sentimento. E isto tudo faz sentido, porque escrevo para você de forma autêntica, tão verdadeira como as linhas desenhadas em meus dedos. E se há poesia nas palavras, então é a loucura de minha paixão pelas coisas que explode no verso que ora dito. O verbo me embriaga quando escrevo para você e, como um sopro, me sinto feliz. Quando escrevo o momento é belo... Tão belo com a lua que brilha clara e faceira por entre as nuvens. Estou lúcida, ou eu sonho... quando escrevo para você?

Imagem: Ilaine

domingo, 18 de setembro de 2011

Pedro

Porque metade de mim é a lembrança do que fui.
A outra metade, eu não sei...
Oswaldo Montenegro


Lembro-me de ti. Teus olhos eram o meu mundo. Por eles eu sonhava sonhos ainda tão distantes. E tu pensavas além... estavas mais longe do que os cumes das montanhas que se desenhavam em nosso horizonte. Vovó Elisabeth falava aos cotovelos. Tu nem a escutavas. Sei que viajavas por outros lugares enquanto ela discursava. E, de repente, este sorriso malicioso que embelezava o nosso instante. Amava-o, simplesmente. Durante minutos eu ficava te olhando e via um homem de cabelos cristalinos a procura por respostas, enquanto sovavas o fumo na palma da mão. Sovavas a própria vida e o cheiro acre do tabaco carimbava nossos laços. E, de tanto te contemplar, também eu me embriagava em quimeras. A fumaça do palheiro se espalhava pelo teu rosto talhado de rugas. Sei que me observavas, e a doçura de teus olhos verdes inflamava minha vida. Falávamos a mesma linguagem – a do silêncio, esta que só as almas gêmeas conseguem decifrar. Dois corações batiam no mesmo ritmo, o ritmo da paixão que nos unia. Eu era a menina-neta que cortejava o mundo ainda tão timidamente. E tu... Ah, tu já havias te tornado avô inúmeras vezes e para mim eras um universo de vida. Falavas a língua alemã com perfeição – quando falavas. Como é belo o passado, meu querido avô!

Imagem: Ilaine

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Minha vizinha

A foto: ontem, à meia noite, Helle saindo de sua casa... espantada com a recepção do povo.

Quero contar para vocês... Ontem, ao voltar do cinema, bem perto de nossa casa, meu marido e eu vimos (e ouvimos) um helicóptero que pairava por sobre nossas cabeças. O que será isto? - Pensamos. Ao chegar mais perto da rua onde moramos, vimos muita gente reunida e vários emissoras de televisão haviam estacionado seus carros pelos arredores. Moradores, policiais e jornalistas ocupavam toda a rua. Pois, ontem houveram eleições parlamentares aqui na Dinamarca. Os dinamarqueses escolheram pela primeira vez na história do país, uma mulher para governar. A social- democrata Helle Thorning- Schmidt, a futura Primeira Ministra da Dinamarca é, por assim dizer, minha vizinha. Moro na rua seguinte, bem pertinho. Esta coincidência só pode mesmo acontecer num país pequeno como este. Já falei aqui sobre o lugar onde vivo. Moramos no Quarteirão dos Compositores, uma pitoresca vila quase no centro e Copenhague. As casas são todas iguais, geminadas, parecem de mãos dadas. Um lugar. Um país, onde a desigualdade social e a corrupção praticamente inexistem.

Quem quiser ler o texto do lugar onde moro, poderá encontrá-lo aqui!

Imagem: Martin Sylvest Andersen: bt.dk

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Chuva




Fiquei pensando na banalidade que é... escrever sobre a chuva. E ela, sim, já tantas vezes cantada nas palavras dos poetas. E eu... que nem poeta sou! Ainda assim, escrevo sobre esta seiva líquida e indolor que brinca e bate na minha janela. E ela pula, graceja e pinga sem parar. Já lhe falei para ir embora, que de tanta presença, já nem lhe gosto mais. Mas, ela salta irrequieta da nuvem. Depois, espreita e se estica na vidraça, feito malabarista. Dezenas de pingos brincam de escorregar e ficam num diz-que-diz-que sem parar. Nas flores, nas folhas, lantejoulas molhadas brilham, e depois rarefeitas... caem. A chuva na minha janela, traça e risca uma linda aquarela. E se saio na rua, ela quer me molhar.
Fiquei pensando na banalidade (e na poesia) que é... escrever sobre a chuva!

Imagem: Ilaine

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Sensommer

A magia dos fulgores.
Parece-me um concerto, a melodia do tempo que urge e que se modifica.

Sensommer... Palavra dinamarquesa que significa fim de verão. É quase outono no hemisfério norte. Olho para os campos, eles estão repousando. O ar e o vento tem outro cheiro e outra temperatura. Os dias – devagarinho - perdem sua esplêndida luminosidade. O sol agora está de amores com o outro lado do planeta. Seus raios transformaram-se em pequeninos braços que já não alcançam tão longe. É setembro, quase outubro... Sinto Sensommer na pele e no coração. Está em mim e em toda parte. Sento no jardim, tomo uma xícara de café e ouço o silêncio da folha caída. O transformar da natureza acompanha meus passos. É calada, mas presente e, em sua textura, concede emoções ainda mais fortes. As maçãs adquiriram uma tonalidade rubra – tão lindas! - estão quase maduras. Há sossego pelas planícies e os jardins já não ciciam como na primavera. Há uma tranquilidade evidente nesta troca de cor. Flores sonham e adormecem em seus segredos... ah, tão cansadinhas. Gosto de tudo isto... As estações por aqui são marcantes. E tocam!





Imagem: Ilaine

terça-feira, 6 de setembro de 2011

A tinta - Ensaios sobre o papel

Um lindo texto do Eder - Gotas de Prosias - inspirado em meu post: Pouso.
Obrigada, amigo querido!


A tinta não sabia quanto tempo estava presa ali, mas no estado que estava, líquida, pouco lhe importava, afinal, o tempo não passa de uma obsessão humana, determinante para deixar as camadas do sofrimento sobrepostas. Ela era de alegria, por isso, liquida, poderia fluir sobre o tempo. Ela também, tampouco, se incomodava com o cheiro do ambiente. O que é o odor, quando a felicidade pode ser absorvida pelos outros sentidos, quando refletindo sobre ela, a beleza serena da escritora se transfigura em imagens idílicas, quando até mesmo no seu silêncio ela ouve a poesia se transmutando pelo seu sorriso, quando na tentativa de escrever, os dedos da escritora dão a sensação que flutua sob seda, ou, então, desesperada ao tentar escrever, passando o dedo na língua para folhear o caderno como quem buscasse uma palavra mágica que desse início ao texto perdida entre as folhas, por engano, a escritora leva o dedo ao tinteiro e a tinta sente o gosto âmbar de sua saliva percorrer por todo o tinteiro a significar toda ternura da artista que leva consigo um céu. E mesmo sendo só uma cor, o azul, a escritora ao escrever dava-lhe, pelas letras desenhadas no papel, todas as cores das asas duma borboleta e a tinta era acometido por uma metamorfose, pois as palavras, escrita pela escritora, usando-a, eram risos e choros no rosto de quem lia. Já valeria a pena ter existido só por este momento. Mas a escritora havia parado de usá-la. Ela estava ali, inerte, dentro do tinteiro, esperando que, a escritora, ao escrever, a usasse, assim a vida significaria por todos os sentidos. Ela seria sólida, então, o tempo se encarregaria de sobrepor sobre o papel o peso da idade, mas ela continuaria viva nas lembranças de quem a leu. O tempo é cruel em qualquer estado. Ao líquido, evapora-o, se houver massa contida nele, seca-a. Havia tempo que a pena não ia ao tinteiro, porém, o que ela não sabia é que bastaria a tinta sentir a pena tocá-lo para a vida pulsando por fios invisíveis ser trazidos pelo toque suaves dos seus dedos aveludados e assim, novamente liquida solidificar no papel os significados da vida.Ila pegou o tinteiro e percebeu que ele estava seco, não desistiu, pegou a pena, mergulhou-a no tinteiro e deitou a tinta no papel assim: "Deixei que o tinteiro secasse aberto por sobre a mesa e o azul líquido escorreu por sobre a folha e desenhou uma espécie de nuvem..."
Texto: Eder Ribeiro
Imagem: Ilaine

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Contextos

Dá-me o direito de dizer coisas sem sentido
de não ter que ser perfeito
pretérito, sujeito, artigo definido
de me apaixonar todo dia
Vander Lee

Meu dias tem sido muito cheios de coisas que penso e que sinto. Queria ter escrito, mas fico com tudo neste depósito que sou. Os mundos que tenho me fazem quase duas. Mas não é fingimento, é a realidade feito pedra e água. Não tenho tido pressa em expor, tenho tido tempo para absorver e analisar. O presente e o futuro se diluem em um só - em sonhos que estou arquitetando. A escrita e a realidade se confundem em cada texto num lirismos dos loucos, como diz Bandeira. Não sei escrever ficção. Simplesmente não sei. Por isto chego a endeusar os romancistas. Suas obras podem ser autobiográficos em uma de suas metades, mas ainda assim são impressionantes. E olhe, não sou narcisista, ao contrário, exijo muito de mim e nunca estou certa sobre quem sou e me procuro constantemente. Tudo bem, esta conversa já se ouviu em outros textos meus. A repetição, no entanto, é a forma de seguir e uma incansável busca por algo novo. É uma transcendência em minha vida. Decidi não cobrar cada palavra. Optei por grafar o que este momento de mim emana... ainda que minha história possa parecer um vocabulário longo e envelhecido. Mas para mim nada é efêmero, tudo volta e se aninha em algum espaço de meu tempo. E se renova em outros prismas. Nascem outros textos... em contextos sempre iguais.

Imagem: Ilaine