quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Palavras acordadas



Fui convidada pela querida Graça, do blog Os Botões de Madrepérola, para participar de um projeto intitulado: acordar e adormecer palavras. Para mantê-las acordadas, fiz esta inventividade!

Palavra que canto, que busco, que falo. Com voz de sussurro, ela desfolha minha fadigada melancolia. Saracoteia monossilábica ao meu redor, deixando-me tonta na expressão de minha ânsia. Então, eu a busquei e deixei que deslizasse substantiva por sobre essa alba página. Agora, ela desenha letras, feito flor semeada por entre as linhas. Nem eu, nem ela sabemos se há sentido no vórtice desta aflição. Todavia, somos uma unidade e estamos ligadas por um fio, como as pérolas que compõem um colar. O texto que juntas formamos é como uma tela - um quadro de cor púrpura. Eu, o pintor; a palavra, a tinta.

Tenho-lhe um amor imensurável. A palavra permite a magia de expor, em forma figurada, a dor que o poeta sente. Ela é o molde de meus momentos e o timbre de meus sonhos. Palavra que soa, que rima, que voa, e que navega comigo nesta canoa. Palavra que cabe, que molda, que reveste e que descobre. Ela esculpe a minha vida com cores e com aromas. Neste momento está calada e me olha, afeiçoando-se. Despojada de qualquer lamento, desfila em letras com brilho escarlate. Queria era uma grafia, uma adjetivada forma na frase de um destino, conjugada e escrita. Palavra - nascida do parto normal de minha embriaguez.

Obrigada, Graça, por me conceder esta oportunidade!

Imagem: Ila

domingo, 16 de outubro de 2011

Douradas horas



Sol na cidade das torres. Uma criança pula sapata lá na rua. É Sophia! Gosto de ouvir sua faceirice. Estes dias de outono pousam em mim e ficam. São douradas horas que antecedam o inverno. A videira selvagem se vestiu de vermelho e sua folhas caem... e dançam pelas ruas. Fui buscar castanhas. Gosto de ver seu brilho. Há algo nelas que me fascina. Acho que é a forma e a sua cor. Sempre coleciono algumas. Deixo-as como enfeite no parapeito da janela. Mas depois jogo fora. Então coleciono flores. É o andar, os ciclos. Invado-os. As estações são tempos. Carrego-as nos braços e sinto toda a magnitude de sua força. E o vento me traz outras cores, ora mais alegres, ora caiadas. As castanheiras espelham suas folhas amarelas nos lagos. Estão lá, em fileiras. Murmuram segredos!


Imagem: Ilaine

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Balão colorido


Os dias são muito curtos. Há tanto para fazer nestas alegres horas cotidianas. Ora é o trabalho de minha casa e a convivência familiar, ora é o sonho que toma boa parte de meu tempo. Herdei de minha avó paterna a paixão pelas coisas pequenas. Aprendi com ela a amar as flores, a noite escura e a lua. Nossa vida telúrica, lá no interior do Rio Grande do Sul, era um grande palco, onde a atuação dos personagens reais e conhecidos se transformava em contos ilustrados na voz doce de vovó Elisabeth. Tudo era graça naqueles entardeceres mornos de verão, a vida era como um balão colorido que saía a voar pelos vales em busca de novidades. Falo de um outro tempo, mas eu o trouxe em alguma pequena repartição nas malas de minhas viagens. E hoje tenho essas lembranças aqui, com cuidado guardadas. De vez em quando - assim como agora que estou contando para você! - eu as desembrulho. Pouco a pouco abro o papel, fino como seda, e então toco-as, e elas voltam a brilhar, tal qual pérolas de vidro.

No entanto, o dias são muito curtos para contar todas as histórias... Elas me ocupam demais e eu preciso continuar a escrevê-las. E agora esta crônica tomou esse rumo... e eu já não posso modificá-la nesta vastidão de sonhos... Que tenho!


Imagem: Ilaine

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Jardim

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Aqui, onde moramos, temos dois jardins – um na parte da frente da casa e outro nos fundos. Para quem me ouve falar poderia imaginar uma casa imensa, com um frondoso espaço cheio de cadeiras reclináveis, plantas exóticas e fontes com águas dançantes, feito as de Peterhof. Meu jardim, todavia, tem o tamanho de uma colcha de retalhos, talvez duas. Mas é o espaço que me faz feliz. Para mim é imenso, imensurável pelo valor que me concede. Vivo quase no centro de uma cidade, mesmo que não seja grande como Paris, como Berlin, como Londres ou (minha nossa!) como São Paulo, ainda assim é um mundo urbano onde necessito de meu espaço verde. Quando a primavera vem, abro a porta grande de vidro e a deixo escancarada. Ali sento para pensar, para sentir saudades e para ver a cerejeira em flor. Nas mãos seguro a xícara de café que me fortalece. Este é o mundo que habito com tudo o que tenho de brasileira. É o lugar afetuoso onde encontro-me como sou, verdadeiramente. No meu jardim falo português, a linguagem precisa e real de minha melancolia - o idioma que delinia o meu sentimento - a língua poética que é também a minha pátria, como diz Pessoa.
Agora, no entanto, o meu pequenino pátio está cheio de folhas caídas. Há um farfalhar dourado e belo com o qual o vento brinca. A nova estação me toma nos braços e me envolve... com a maciez de um afago. Em meu jardim tem visita: chegou o outono.
Imagem: Ilaine