terça-feira, 7 de julho de 2009

Caminhos


Eu acabara de chegar. Era hora de descobrir os mistérios e segredos desse arquipélago, onde a partir de então passaria a viver. Olhei ao meu redor. Vi uma cidade linda e faceira, debruçada por sobre o espelho azul das águas do Mar Báltico. As casas coloridas ao longo dos canais revelavam estilos e histórias de séculos passados, quando intrépidos marinheiros ancoravam ali suas embarcações. Segui em direção ao mar, sentindo na pele a brisa suave da maresia. A atmosfera mágica da portuária Copenhague me envolvia.

Era uma tarde morna de verão. Extasiada com o novo que me envolvia, senti que estava com a garganta seca e decidi tomar um café num bar da esquina. Atrapalhada, esbarrei numa mesa, onde uma senhora elegante comia um sanduíche e tomava um vinho tinto. Pedi desculpas com um forte sotaque, revelando imediatamente meu estado de imigrante. Ela, então, desculpou-me com um lindo sorriso. Não resistindo à simpatia encontrada, contei-lhe que era brasileira e que mal apenas falava o seu idioma.

Comovida, tomei meu café, enquanto esquecia-me em pensamentos. De repente, tornei a surpreender-me com a senhora dinamarquesa, pois ela veio até a minha mesa e, de forma natural e descontraída, cantarolou e sambou o ritmo contagiante de Garota de Ipanema, de Tom Jobim e de Vinícius de Moraes:

Olha que coisa mais linda, tão cheia de graça

É ela menina, que vem e que passa

Num doce balanço, a caminho do mar.

Bossa Nova! – disse, retirando-se.

Como que hipnotizada, acenei com a cabeça. Falávamos, enfim, a mesma linguagem: a expressão clara e precisa de meu país latino, através da mais bela canção brasileira. Neste momento, deixei-me levar pelo embalo inconfundível da Bossa Nova, encontrando-me no limite impreciso entre o sonho e a realidade. Adornei minha alma, fortificando-me para prosseguir as cruzadas por estes espaços ainda tão estrangeiros. Metade de mim era saudade.

Ainda perplexa com o que acontecera, encontrei um guardanapo em cima de minha mesa, em cujas extremidades estava escrito o nome e o número do telefone da bailarina até então desconhecida. Ela o havia colocado ali, sem eu perceber. Em polvorosa, corri atrás dela para agradecer o seu gesto, não obstante, havia sumido por entre a multidão.

Tornei a olhar ao meu redor. O castelo à beira do cais parecia encantado, como se ali dormisse – em cima da ervilha – uma princesa de verdade.

Crônica reduzida - premiada no Concurso da Biblioteca Raízes, Genebra.

11 comentários:

lula eurico disse...

Cortesia, hospitalidade, essas pequeninas faces do amor fraterno me comovem. O homem, esse animal inacabado, precisa tomar essas coisas como fundamentais. Fiquei emocionado com essa cena. Creio nisso e me esforço pra que isso seja exercido por todos, em todo lugar, a todo momento. Há um lugar que considero ideal para por em prática a cortesia: no trânsito de nossas cidades.

Belíssima e comovente crônica.

Beijo afetuoso em vc e nos guris, digo, nos rapazes rsrsrs

Ilaine disse...

Eurico!

Esta cena aconteceu nas primeiras semanas em que estive em Copenhague. O gesto desta senhora foi um presente para mim. Mostrou-me de uma maneira deliciosa que conhecia a minha cultura, ou pelo menos parte dela. Senti-me acarinhada e feliz. São os modos dinamarqueses: abertos para o mundo, tolerantes, leves e soltos.

Sim, darei o abraço aos guris.
Que bom conversar... Abraço

Germano Viana Xavier disse...

Eu acabo viajando também por onde tua andas... Bom demais saber de tuas paragens.

Carinho sincero, Ilaine.
Continuemos...

Ilaine disse...

Germano, que bom ver você aqui.
Sim, gosto de descrever os lugares por onde andei. Mas em Copenhague eu vivo já ha alguns anos. Esta cidade hoje já não me indiferente. Tornou-se uma espécie de home - para mim e para meus filhos.

Abraço, meu amigo!

Beti Timm disse...

É belo, como encontramos, pessoas delicadas e que parecem surgir de um conto de fadas, que nos deixam encantadas. Você e sua delicadeza é uma dessas pessoas iluminadas, que encontramos no nosso caminho!

Beijos

Ilaine disse...

Beti, querida amiga!

Ah, mas é lindo o que me dizes.
Obrigada! Sim, muitas vezes, ainda que por breves instantes, encontramos pessoas encantadas em nossos caminhos. E nos marcam. Que bom que encontrei você.

Beijo

AFRICA EM POESIA disse...

Espero-a no meu blogg Africaempoesia.
um beijo

Ilaine disse...

Oi, amiga!

Africa em Poesia... Vou lá para conhecer.
Com certeza!

Abraço

Elcio Tuiribepi disse...

Oi Ilaine, lendo sua narrativa, mas, espera aí, você já havia postado este? Sei lá, me deu a impressão de já ter lido. Bem, de qualquer forma parabéns pelo prêmio, merecido.
Acho que gestos assim é que fazem a diferença, nos tornam mais humanos, mais perto das pessoas. Quanto ao livro, no show que fui deles aqui eles estavam vendendo livros sim, mas, como eu estava querendo o CD e o DVD novos, optei por esperar. Mas pela forma como eles interagem com o público, imagino que o livro deve ser mesmo interessante. Uma ótima quarta para você Ilaine, um abraço na alma

Ilaine disse...

Élcio!

Se já havia publicado "Caminhos"? Pensei que não.
Como deletei o outro blog, agora nem sempre lembro se determinado texto foi ou não postado. Mas o importante é que você tenha gostado, pois tua opinião é fundamental para mim.

Abraço, Élcio!

Berê disse...

Que crônica linda querida amiga! Me fez lembrar de uma passagem de minha irmã na Alemanha. Ela me contou que tomava banho (num banheiro público) quando ouviu alguém cantarolar a Aquarela do Brasil. Chorou de saudades.
Um abração.