domingo, 2 de maio de 2010

O quadro

Eu tinha apenas nove anos de idade e possuía um quadro. Meu quadro estava pendurado na pinacoteca da casa de vovó. Não cansava de admirá-lo, e vovó não sabia que eu, há muito, decidira empossá-lo. Era meu, mas não ousava tirá-lo da parede. Bebia a luz de suas cores e embriagava-me com sua rara beleza. Ele me seduzia. Nele encontrava algo vivo, um estigma profundo me arrebatava. E não era mudo. Ao contrário, falava-me. Eu caminhava silenciosa por entre sua paisagem. Atravessei um campo de papoulas vermelhas e me encontrei diante de um castelo medieval. Mais adiante, segui por entre pinheiros e carvalhos e escalei a colina. De repente me assustei... Onde estou? Trêmula, dei um passo para trás. Então, lentamente, puxei uma cadeira e subi nela. Estendi os braços para alcançar no quadro. Pude sentir o cheiro da madeira envelhecida de sua moldura dourada. Acariciei a pintura com meus dedos de menina. Senti a tinta saliente das cores ao toque suave de minhas mãos. Apalpei os laivos da tela como quem dedilha uma arpa, despertando de cena em cena, a dança de meus sonhos. Ofegante, desci da cadeira e chamei meus avós. Ergui meu braço e apontei o dedo para a imagem na parede, e lhes disse: É para lá que vou... quando crescer! E eu fui.

Imagem by Fibulamim

21 comentários:

lula eurico disse...

Que decisão, hein, menina?
Parabéns!

eder ribeiro disse...

Poético, sensível e encantador texto. Para mim lê-lo foi especial principalmente pelo fim, a saber, eu tenho uma identidade com meu avô uterina, sim, isso mesmo, ele me gestou durante doze anos, o tempo que com ele convivi, e acho que vc sabe que ele se chama Pedro... Bjos.

Josselene Marques disse...

Ilaine:

Estou encantada!!! Lindo, maravilhoso texto. Como sempre, você se supera a cada produção.
Parabéns!
Tenha uma semana abençoada.

Abração.

Osvaldo disse...

Ilaine;

Incrível, mas enquanto ia lendo o belo texto dei comigo a imaginar que deveria ser assim o que a Alice viu quando entrou no seu País das Maravilhas!...
Será que afinal a Ilaine é na verdade a Alice?!...
bjs,
Osvaldo

Luares e Neblinas disse...

Um texto que encanta.
Fico a imaginar a cena e depois de muitos anos a previsão se realizar.
Como uma decisão pode mudar tanto nossas vidas, isso é coisa do amigo destino.
Um beijo com meu carinho amiga minha.
Lindo demais seu texto.
Uma linda semana para você.

Luiz Caio disse...

Oi Ilaine! Como vai?

Há coisas que são mesmo inexplicáveis! Os sentimentos, as ações, as determinações... Tantas coisas!

O seu carinho para com meus esccritos, é algo que me toca a alma... Você compreende como poucos, a minha forma de me expressar!

Obrigado!
Você é uma amiga muito querida!

TENHA UMA LINDA SEMANA!

Beijos

Sandra Gonçalves disse...

Que lindo , me emocionei, As vezes traçamos nossa vida e neste percurso muitas vezes alcançamos nosso objetivo. Bjos achocolatados

Canto da Boca disse...

Fiquei contemplando o quadro e sua dona, não sei qual dos dois é mais lindo... Na dúvida, fico com ambos.

Ila, tem um mimo "pra" ti lá no Canto.

Beijos!

Graça Lacerda disse...

Uff...

Quem está ofegante agora sou eu...

Menina, que relato!!! E sabe? Eu creio firmemente nessas "decisões de criança", como algo que acaba sendo consolidado no futuro, profeticamente.

Tb possuo história semelhante! Por isso a entendo profundamente e me maravilho.

Quanto ao texto, é de uma nobreza sem par! Posso pegá-lo para trabalhar com o alunos? Não estou em sala de aula, mas mesmo na biblioteca, na falta de algum professor, acabo tomando conta da galerinha...

Um beijo bem grande, conterrânea querida.

Fique bem e com Deus, sempre.

Carla disse...

Linda viagem entre papoulas, pinheiros e carvalhos. Me lembrei de um quadro do Van Gogh, que, ao olhá-lo, me vi caminhando entre a plantação ali retratada... viajei também.


Bjos

Jacinta Dantas disse...

É menina,
mais uma vez você me remete à infância, quando passava um tempão observando as nuvens e tentando "entender" o que havia por trás de todo aquele espetáculo. E não é que eu conseguia atravessá-las e encontrar o que eu buscava. Meu Deus!

É muito gostoso vir aqui.
Grande abraço

Francisco Sobreira disse...

Cara Ilaine,
Aos nove anos, você já tinha a sensibilidade, que revela hoje, e imaginação. Bonito texto. E obrigado pelas palavrás amáveis lá no Luzes. Um beijo.

Anônimo disse...

Não sei se fico alegre ou triste.
Eu não fui amiga, mas quem sabe ainda vou né!
Agora, com vc estou sempre feliz e encantada.
Bjs.

Paula Barros disse...

Uma história gostosa de ler. Muito boa. Pela sua forma de escrever, que me envolve, me coloca no cenário, me traz lembranças.

beijo

Unknown disse...

Excelente quadro pintado com palavras.Amei.

Beijo.

Sylvia Araujo disse...

Ah, que lindo, Ilaine... Que bom se todos pudessem sempre materializar os sonhos de criança!
Lindo, tocante e puro texto.

Beijoca

Daniel Hiver disse...

Belo texto Ilaine. Posso te dizer com toda sinceridade que ainda não cheguei no lugar que queria chegar quando ainda era um guri. Mas espero que ainda haja tempo, mesmo eu já tendo crescido.

Li teu haikai no blog do Élcio. Tu levas jeito, guria!

Obrigado sempre por seus comentários sensíveis em meu blog.

Um bom dia aí nesses pagos distantes!

Soninha disse...

Olá, Ilaine!

A vida tem destas coisas...Desde que nascemos somo impulsionados a ir ao encontro daquilo que estamos predestinados.
Calro que tem nossa livre vontade fazendo parte destas decisões, mas, entendo que, quando temos um sonho e fazemos dele nosso objetivo, tudo conspira em nosso favor.
O quadro e sua paisagem a motivou, ainda mais, na realização de seu sonho...foi, efetivamente, para um país distante do seu berço e lá construiu uma vida linda, sua família, seus ideais...
Hoje, pode nos trazer, através de seus textos, tudo o que seus olhos podem ver aí, deste lado do mundo.
Nós também ganhamos com o quadro de sua avó.
Excelente restinho de semana.
Muita paz! Beijossssss

Dilberto L. Rosa disse...

Quantas sinestesias, minha cara, belas reminiscências mais-que-vivas, porém, como aquele gostoso cheiro de poeia guardada no sótão de nossas lembranças mais amadas: texto cheio de cores, parabéns! Abração!

Elcio Tuiribepi disse...

Oi Ilaine, hoje passar por aqui está trazendo lembranças boas...minha avó, ela era suiça e nos contava estórias , assim como também nos xingava em alemão quando aprontavamos com ela...
Enérgica, mas provedora de um coração grande...rsrs
Linda a sua prosa Ilaine, conseguiu transmitir seu sentimentos e no fim o estar no lugar pretendido e sonhado foi demais, faz pensar...

Bom partilhar momentos assim...aqui é Dia das Mães...compra uma panela ai e manda ver no Chili, vai lembrar da nossa feijoada...rsrs

Feliz Dia das Mães Ilaine...

Mãe... São três letras apenas

As desse nome bendito:
Também o Céu tem três letras...
E nelas cabe o infinito.

Para louvar nossa mãe,
Todo o bem que se disse
Nunca há de ser tão grande
Como o bem que ela nos quer...

Palavra tão pequenina,
Bem sabem os lábios meus
Que és do tamanho do Céu
E apenas menor que Deus!

Mãe (Mário Quintana)

Um abraço na alma...beijo

Berê disse...

Estou sentindo falta de um quadro similar na minha vida. Mas vou encontrá-lo....
Vou ler os demais...