terça-feira, 6 de setembro de 2011

A tinta - Ensaios sobre o papel

Um lindo texto do Eder - Gotas de Prosias - inspirado em meu post: Pouso.
Obrigada, amigo querido!


A tinta não sabia quanto tempo estava presa ali, mas no estado que estava, líquida, pouco lhe importava, afinal, o tempo não passa de uma obsessão humana, determinante para deixar as camadas do sofrimento sobrepostas. Ela era de alegria, por isso, liquida, poderia fluir sobre o tempo. Ela também, tampouco, se incomodava com o cheiro do ambiente. O que é o odor, quando a felicidade pode ser absorvida pelos outros sentidos, quando refletindo sobre ela, a beleza serena da escritora se transfigura em imagens idílicas, quando até mesmo no seu silêncio ela ouve a poesia se transmutando pelo seu sorriso, quando na tentativa de escrever, os dedos da escritora dão a sensação que flutua sob seda, ou, então, desesperada ao tentar escrever, passando o dedo na língua para folhear o caderno como quem buscasse uma palavra mágica que desse início ao texto perdida entre as folhas, por engano, a escritora leva o dedo ao tinteiro e a tinta sente o gosto âmbar de sua saliva percorrer por todo o tinteiro a significar toda ternura da artista que leva consigo um céu. E mesmo sendo só uma cor, o azul, a escritora ao escrever dava-lhe, pelas letras desenhadas no papel, todas as cores das asas duma borboleta e a tinta era acometido por uma metamorfose, pois as palavras, escrita pela escritora, usando-a, eram risos e choros no rosto de quem lia. Já valeria a pena ter existido só por este momento. Mas a escritora havia parado de usá-la. Ela estava ali, inerte, dentro do tinteiro, esperando que, a escritora, ao escrever, a usasse, assim a vida significaria por todos os sentidos. Ela seria sólida, então, o tempo se encarregaria de sobrepor sobre o papel o peso da idade, mas ela continuaria viva nas lembranças de quem a leu. O tempo é cruel em qualquer estado. Ao líquido, evapora-o, se houver massa contida nele, seca-a. Havia tempo que a pena não ia ao tinteiro, porém, o que ela não sabia é que bastaria a tinta sentir a pena tocá-lo para a vida pulsando por fios invisíveis ser trazidos pelo toque suaves dos seus dedos aveludados e assim, novamente liquida solidificar no papel os significados da vida.Ila pegou o tinteiro e percebeu que ele estava seco, não desistiu, pegou a pena, mergulhou-a no tinteiro e deitou a tinta no papel assim: "Deixei que o tinteiro secasse aberto por sobre a mesa e o azul líquido escorreu por sobre a folha e desenhou uma espécie de nuvem..."
Texto: Eder Ribeiro
Imagem: Ilaine

3 comentários:

jeito simples disse...

Ila..fui lá no Eder. Adorei o texto.
Imagino o que vc sentiu ao lê-lo.
suspiro*
Porque será que tudo que nos é essencial parece pouco?

chica disse...

Puuuuuuuxa, que coisa mais linda,Ila! Texto e imagem perfeitas! beijos,chica

Canto da Boca disse...

Gosto dessas provocações, um texto que dá outro texto!
E cada um/a deixa a sua marca, suas inferências, tornando-o único, como cada pessoa...

Beijos, Ila!