A tarde se desfazia com lentidão. Bolhas transparentes de água salgada roçavam a areia da praia. Minha alma azulejava com o céu. Pequenas nuvens enfeitavam o firmamento já quase dourado, pareciam gaivotas. Senti um cheiro de milho cozido, de abacaxi maduro, de cocadas. Sabores de férias, no Brasil.
Uma doce voz entrecortou o momento:
Tiaaa! A senhora tem um pedaço de pão para dar?
Olhei para a rua e vi um menino. Era pequeno ainda, roupas esfarrapadas, pés descalços, rosto sujo. Tinha em torno de sete anos, uma criança de mãos calejadas, castigadas. Seus olhos eram negros e belos, mas assustados. Olhou-me com carinho, enquanto pedia esmola. Senti um nó na garganta. Uma grade de ferro nos separava, do lado de fora estava ele, do lado de dentro, eu. Aprisionada.
Pobre menino. Parecia um passarinho que havia caído de seu ninho, mas que ainda não sabia voar. Perdeu-se de seu bando, pensei. Grudou seu corpo miúdo na grade, como se quisesse passar por entre as vigas de ferro. Queria descobrir mais detalhes do mundo que não lhe pertencia, impenetrável, frondoso. Olhou com curiosidade. Ele e eu. O menino passarinho, eu na gaiola. Privilegiada. Éramos diferentes, somos desiguais. Contudo, tínhamos algo em comum: o país em que nascemos.
A sólida muralha nos isolava, um paredão entre seres humanos. Do lado de dentro estava eu, veraneando numa casa alugada à beira do mar. No jardim havia redes estendidas, jovens e crianças comiam picolé. A cozinha estava recheada de vinhos, sucos, café, chocolates... Na varanda, estofados confortáveis enfeitavam o ambiente. E, ali na calçada, um menino apertava as bochechas pálidas na cerca, e me olhava. Estava com fome.
A tarde se desfez, tristemente. Arrumei minhas coisas e fui embora. A grade de ferro ficou distante, separando destinos, vidas. Portões continuam protegendo lindas casas. Demarcações altas e largas - fortificações. E, do lado de fora, o menino de olho bonito está aprendendo a voar - a seu modo. Sobrevoará muralhas.
Texto já publicado no baú.