domingo, 28 de março de 2010

Florir



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Florir. Somente florejar. Há um saltitar festivo no ar. Delicados sinais de vida, suavemente esverdeados, rebentam com fragor nas ramagens e se enchem de seiva, de perfume: doces aromas, hastes frescas, pétalas orvalhadas... e a flor. Os jardins ciciam, soam e segredam ao vento. Em pouco tempo, os terraços estarão coloridos, viçosos e belos. Flores jorram da terra de forma torrencial, como se alguém tivesse jogado rajadas de sementes por todos os lados. Pequenos crocus, cobrem a grama verde. É um tapete de açafrão que enfeita o mundo. Crocus, a flor-da-aurora, lilás, amarela, branca e rosa. Tons fortes, fios afrodisíacos.
Imagem by: Dr4kon

sábado, 27 de março de 2010

Urbe herdada


Saio para fazer compras. Sinto-me feliz, pois vou perambular pelas ruas da cidade que há muito já que se tornou uma casa para mim. Vim parar aqui quase sem querer, mas talvez tenha sido este o lugar que por mim esperava. Assim sendo, desfiz as muralhas que por ventura existiam, e fui ao encontro de Copenhagen, familiarizando-me com seu jeito de ser, com seus modos e com sua graça de cidade portuária. 

Vou trilhando por estes caminhos. Aqui nada é monótono, tudo se forma e se transforma de modo harmonioso. A vida acontece em cada esquina e é celebrada prazeirosamente. Em Copenhague as pessoas são espontâneas, educadas e extremamente naturais. Autenticidade é um jeito de ser: é uma postura, é comportamento. Pelos quarteirões dessa cidade medieval desfilam os mais variados tipos de pessoas, uma abundância de gente loira, morena, orientais, muçulmanos e os alternativos, com tranças rastafari no cabelo. Um povo charmoso, sem dúvida. Gente alegre: marinheiros natos, de olhos abertos para a água que os circunda e para os cais de outros portos. Há quem diga que é aqui que se aglomera - por metro quadrado - o maior número de mulheres bonitas. 

 Cidade cheia de viço, plena de boemia. Copenhague é inspiradora, feito rara flor. Vibra de novidades, está por se reinventar a cada dia. É metrópole palpitante e alvoroçada, possuindo um dos níveis de qualidade de vida mais elevados do mundo. Há, em toda parte, uma busca vertiginosa para fabricar ideias. A atmosfera marítima de Copenhague estimula para criar e produzir.Os designers, poetas, jornalistas, engenheiros artistas e todo um povo de profissionais talentosos inventam-a todos os dias, tornando-a atrativa para o mundo. A criatividade, o conhecimento e a tolerância são as bases para a construção do futuro que, aliás, é medido em passos largos e ousados por um presente competitivo e inovador. Copenhague é o palco de realizações da vida cotidiana de suas gentes, permitindo que cada um participe com sua arte, vivendo intensamente seu sucesso e suas derrotas no espaço que lhe cabe e em que é aceito. 

 A cidade das torres! Encontro-me com o mundo do qual faço parte e encho meu cesto com boas vibrações e com fortes energias. A capital desse pequeno reinado parece que é sempre nova, constantemente alegre, é como se cada dia fosse dia de festa. Ao mesmo tempo, porém, é serena em sua harmonia nórdica, sossegada e despreocupada. As avenidas por onde ando são bem organizadas, há aqui um desvelo com as coisas e uma profunda sensibilidade para o belo. A sua velha arquitetura me fascina, enquanto que a moderna me surpreende. Com sua multiplicidade de cores, Copenhague é muito especial e específica, uma cidade cheia de arte, oferecendo parques e jardins, assim como espaços alternativos, onde o caos e a ordem se misturam. A maioria das ruas são marcadas por pequeninas casas, pontilhadas com lojas, todas tão bem apresentadas, convidativas e irresistíveis. O centro é feito para encontros e para flertar.

A conceituada revista alemã "Der Spiegel", elegeu Copenhague como uma das seis cidades mais cool da Europa, ao lado de Amsterdam, Barcelona, Dublin, Tallin e Hamburgo. Mas ainda há muito mais o que falar. Tyler Brulé, jornalista canadense, criador da revista britânica Wallpaper, declarou acerca de Copenhague: "Eu não consigo imaginar uma outra cidade em que se possa fazer um piquenique no parque e nadar nas águas de seus canais". Recentemente Brulé coroou-a novamente, agora em sua nova revista Monocle, escolhendo-a como a melhor cidade do mundo para se viver. 

 Comprei um buquê de tulipas vermelhas para enfeitar minha casa. Vejo-me, assim, a percorrer caminhos em Copenhague, que agora está iluminada, tingida de luz neste verão ameno. A vida me trouxe para esta cidade. E eu continuo por ela, irremediavelmente, apaixonada.

segunda-feira, 22 de março de 2010

Vereda

Há nesta vereda um espaço abastado de percepções, uma vórtice de coisas, de encontros, de conquistas e de perdas: safiras preciosas e farpas pontiagudas. Encontra ali também afabilidade, carinho, aspirações e abandono. Em todo instante ela forma um cenário onde atua. Ora dança, outras vezes deixa-se tomar pelo ritmo do silêncio. Tudo espera por ela, como se fossem cachos de uvas açucaradas, prestes a serem cultivados. É uma miscelânea de coisas, assim como a própria vida. Vai moldando seus dias - sua história pessoal - numa incessante corrente de momentos ilustrados com o que é com o que faz, pensa e acredita. Não há como acomodar-se. Busca. Um passo, outro passo. Ali, em frente, onde a vereda continua, há lugares por onde poderá andar. Talvez encontra um poema ou um conto que poderá então... contar.

Imagem:Deviantart

segunda-feira, 8 de março de 2010

Descobrimento


Abancado à escrivaninha em São Paulo
Na minha casa da rua Lopes Chaves
De supetão senti um friúme por dentro.
Fiquei trêmulo, muito comovido
Com o livro palerma olhando para mim.
Não vê que me lembrei
que lá no norte, meu Deus!
Muito longe de mim
Na escuridão ativa da noite que caiu,
Um homem pálido, magro de cabelo escorrendo nos olhos,
depois de fazer uma pele com a borracha do dia,
Faz pouco de deitou, está dormindo.
Esse homem é brasileiro que nem eu.

Mário de Andrade

sábado, 6 de março de 2010

Palavra


Olhe, a palavra...Ali! Psiu! Está adormecida.
Cansou, coitadinha, de tanto esperar.
Sim, ela dorme, enfraquecida.
Pois, imagine...
Palavras quando não são lidas
acabam ficando com sono.
E sentem todo o nosso abandono.
E, às vezes, começam até a chorar.
Abra o livro, vai! Rapidinho!
E a palavra vai despertar.
Imagem: Deviantart

quarta-feira, 3 de março de 2010

Aurora



Imagem: galanthus - flor de leite

Tarde de domingo iluminada. Riscos mornos de luz. Fui ao jardim e vi que a terra está abarrotada de brotos. E então tirei as folhas secas que por muitos dias estavam soterradas pela neve. Preparei tudo para a grande festa: a festa do florescer. Pelo calendário ainda não é primavera, eu sei. Mas para mim é como se fosse. Sim, a brisa e o vento ainda estão frios. Mas a luz voltou e os pássaros cantam sem parar. A flor de leite inaugurou a nova estação em meu pequeno jardim. É um bailado suave, um ritmo manso que festeja a aurora. Os passos da natureza, ainda que vagarosos, são intensos e extraordinários. Não importa a neve de ainda há pouco, não importa a noite fria. Há que florescer. Sem tardança, o verde haverá de jorrar com galhardia e se transformará em folhas. Primavera boreal.