sábado, 26 de fevereiro de 2011

Em mim...


As rimas se formam vagarosamente. As palavras se escondem fora de mim. Os meus lados estão cheios e transbordam de figuras que não sei usar. Tento e procuro. Construo e apago. As frases aparentam fábulas que já vi em muitos outros lugares. O branco da parede se enche de quadrados vazios, todos iguais, uniformes. Quem é ela? - Pergunto. No escuro da tela aparece a imagem um pouco apagada, um pouco cansada, um pouco transformada. O tempo modifica, traz os sulcos e as marcas. Ela é um pouco de tudo... em mim.

Imagem by : r3novatio

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Cidade

Encontrei-a enfeitada. Meu olhar se perdeu em paredes medievais - algumas coloridas, outras caiadas. As construções não se apresentavam muito altas, e nem tão majestosas, mas belas. As janelas eram como olhos e, tenho certeza, me fitavam. Toda a cidade parecia querer me falar. Os sussurros se entrecortavam. Tantas coisas para aprender e para escutar. Ruelas para andar. E o ar, este cheiro forte de mar. Canais pontilhados de embarcações. Sentia-a muito perto. Ela me acolhia, podia perceber seu afago. Cidade ainda desconhecida para mim, mas não distante. Nem fria. Precisava desvendar seu passado, e seu presente chegava-me de forma vivaz com a brisa marítima que eu sentia em meu rosto. Era assim, nua e crua. Nada queria esconder, sua autenticidade era o início de fáceis percursos. O balanço de minha procura... Ou eu a amava, ou não. Ninguém podia decidir por mim. A única certeza é que eu viera para ficar por um espaço temporário considerável. Um tempo que traria mudanças. E as amarras haviam sido lançadas. Já não poderia soltá-las com minhas mãos. Havia ansiedade. A saudade viera também, eu a identifiquei na proa de cada navio. Ancorara em mim, manifestava-se na nostalgia que os ventos marcavam - em voz alta - na beira do cais. Mas a leveza dos cantos me fascinava: as águas, os jardins, os parques, os castelos. Ouço agora as outras melodias calorosas. São baladas. É o mundo que criei. Urbe herdada - um pouco minha, um pouco moldada, um tanto estranha. Simples, como uma jangada.

Imagem by- ButterflyJewel

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Emília e Visconde


Emília é uma boneca de pano muito valente. Tem cara de bruxa e é bem pequerrucha. Ela fala, escuta e é bem diferente. Tia Nastácia costurou a boneca. Com retrós e linha fez uns olhos arregalados e sobrancelhas bem levantadas. Sua boca é pequena, bem vermelhinha. O cabelo de Emília é amarelo dourado. Usa um vestido de velhos retalhos, é estampado e um pouco rodado. As meias, olhem! São compridas e remendadas. Certo dia, Emília engoliu uma pílula falante e desatou a falar. E agora, imaginem, ninguém consegue fazê-la calar. Inventa histórias de forma excelente. Emília é a boneca de pano... Ah! Que virou gente!

Visconde de Sabugosa é um sábio. Nasceu de um sabugo de milho. Tem pernas e braços, olhos e boca: tudo direitinho. Usa cartola e no pescoço tem umas palhinhas. Sabugo Visconde é bom companheiro, mas tem muito medo de vaca e... de galinheiro. Certo dia, ficou preso na biblioteca e lá dentro tirou uma soneca. Ele adora livros e inventa magias. De vez em quando, ensina geografia. Visconde é um boneco de sabugo, mas também fica doente. Por sorte, e que alegria!... é consertável e muito inteligente.

Adaptação para o Projeto Ler é Saber

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Le Chiffre

Outro dia, eu passeava tranquilamente pela Østerbrogade, uma movimentada avenida do Bairro de Østerbro, onde moramos. Estava perdida em mil pensamentos quando, de repente, reparei no homem que caminhava ao meu lado. Nossa! - pensei. Será que estou vendo direito? Olhei de soslaio... mas pude ter certeza: o cara que andava do meu lado não era ninguém outro do que o ator de cinema Mads Mikkelsen - o Le Chiffre do filme Casino Royale. Ele andava de forma muito lenta e trazia em suas mãos um jornal aberto. Minha intenção era seguir a avenida, mas como Mads resolveu parar e esperar abrir o sinal para atravessar a rua, mudei de rumo também. E assim... esperamos abrir o sinal – Mads e eu! Minha vontade era dizer: "Hej, Mads! Tudo bem?" Mas para isto eu precisaria ser mais corajosa. Atravessei a avenida ao lado de Draco do filme Clash of the Titans. Observei as pessoas que vinham em direção contrária para ver a reação delas. A maioria nem reparava, outras paravam e olhavam para trás, certificando-se. Ao chegar em casa contei para Matheus de meu inesperado encontro. Meu filho, que adora cinema, ficou surpreendido e feliz; disse que contaria as aventuras de sua mãe para os seus colegas da escola. Confesso, nunca fui de ter ídolos, nem mesmo na adolescência. Mas a coincidência de ver de perto o ator que interpretou o Stravinsky de Coco Chanel foi, no mínimo, interessante. Para quem me lê, sabe que em outros tempos procurei o escritor que admirava pelas ruazinhas de Brumleby, pois sabia que morava perto de minha casa. Mas nunca fui sorteada. Desta vez sim. Beijo para todos, da Ila.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Por gostar de ler



Mamãe orgulhosa falando...
E havia aquele livro... Meu pai guardava-o na cômoda de seu quarto, lá onde ninguém podia vê-lo. Lembro-me que, quando menina, de vez em quando eu o procurava. Às escondidas, segurava o volume em minhas mãos e folhava suas finíssimas páginas. Era um livro sobre medicina e saúde. Parecia ser muito importante. Na verdade, era o único livro que possuíamos... Mas valia por muitos.
Matheus, meu filho, ainda era bebê quando manuseou seu primeiro livro. Tinha folhas duras e grossas, com belíssimas ilustrações de instrumentos musicais. Sempre quando viajávamos ao Brasil, recebíamos presentes em forma de livros da família e de nossos amigos. Em pouco tempo formamos na nossa casa em Copenhague uma pequena biblioteca de escritores brasileiros. Era preciso que os meninos sonhassem e se deliciassem com as histórias de nossos autores. Queria que se identificassem com os personagens desses livros preciosos, relacionando fatos e vivências do Brasil. Era a melhor forma de conhecer a cultura de meu país. Trazíamos na mala obras de Ana Maria Machado, Ruth Rocha, Dilan Camargo, Gustavo Finkler, Zambelli Carlos Brandão, Lígia Bojunga Nunes, Ziraldo e outros. Naturalmente também descobriram a magia de Mário Quintana, de Vinícius e de Monteiro Lobato. Matheus e Christian eram também “maluquinhos” e viajavam pelos livros que trazíamos, matando assim, as saudades que sentiam da pátria distante. São leitores apaixonados desde muito pequenos. Eu ficava impressionada com a “leitura“ que realizavam: com o dedinho me mostravam as ilustrações e minúsculos detalhes do livro que ora estávamos a ler. Livros eram como uma barra de chocolate, ricamente embrulhados... Era necessário abri-los e, de passo em passo, descobrir seus segredos deliciosos. Mais tarde, eles se impressionaram, por exemplo, com o desenho da primeira letra de cada capítulo de História sem Fim. Tiveram a oportunidade de ler Hans Christian Andersen no original, assim como Michael Ende, J. K. Rowling, Philip Pullman, Christopher Paolini e outros.
Durante as festas natalinas estivemos por três semanas no Brasil. Neste período, Matheus, com 17 anos, leu quatro livros. E, entre eles, para o meu orgulho - Ensaio sobre a Cegueira, de Saramago - na versão em inglês: Blindness.

Imagem: Ila